Catholica 115: os inícios da Teologia medieval
Inícios da Teologia Medieval no Século IX e a Reforma Carolíngia
O século IX marcou um período crucial para a teologia medieval, profundamente influenciado pela Reforma Carolíngia. Esta reforma, liderada por Carlos Magno e seus sucessores, visava revitalizar a vida intelectual e espiritual do Império Carolíngio, promovendo um renascimento do estudo eclesiástico e teológico. Durante este período, surgiram várias controvérsias teológicas significativas que moldaram o desenvolvimento da teologia ocidental. Aqui estão cinco das principais controvérsias:
1. A Questão da Iconoclastia no Ocidente e a Dificuldade para Acolher o II Concílio de Niceia em Função do Termo Proskínesis**:
- O II Concílio de Niceia (787) restaurou a veneração das imagens (iconofilia) na Igreja Oriental, utilizando o termo grego "proskínesis" para descrever a veneração de ícones. No Ocidente, houve resistência para aceitar o concílio devido à interpretação de "proskínesis" como adoração (latria), que deveria ser dirigida somente a Deus. A confusão terminológica e a influência residual da iconoclastia geraram desconfiança e debates sobre o uso e a veneração de imagens religiosas.
2. A Questão do Adocionismo Hispânico**:
- O adocionismo, promovido por Elipando de Toledo e Félix de Urgel, sugeria que Cristo, em sua natureza humana, era filho adotivo de Deus. Esta heresia foi condenada porque minava a doutrina da união hipostática, que afirma que Cristo é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. O Concílio de Frankfurt (794) condenou formalmente o adocionismo, reafirmando a doutrina ortodoxa da natureza de Cristo.
3. A Controvérsia Predestinacionista de Godescalco**:
- Godescalco de Orbais defendeu uma visão rigorosa da predestinação dupla, onde alguns são predestinados para a salvação e outros para a condenação. Esta visão foi condenada por Hinckmar de Reims e nos sínodos de Quierzy (849) e Valence (855), que rejeitaram a predestinação à condenação. Em vez disso, a Igreja reafirmou que Deus predestina somente para a salvação, enquanto a condenação é resultado do livre-arbítrio humano e do pecado.
4. A Polêmica do Filioque no Século IX (Perspectiva Latina)**:
- A adição do termo "Filioque" ("e do Filho") ao Credo Niceno-Constantinopolitano causou uma grande controvérsia teológica. Esta inclusão, que afirmava que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, foi defendida pelos teólogos latinos para reforçar a consubstancialidade das três Pessoas da Trindade. No entanto, esta adição não foi aceita pela Igreja Oriental, que sustentava que o Espírito Santo procede somente do Pai. Esta diferença teológica contribuiu para o crescente cisma entre o Oriente e o Ocidente.
5. As Controvérsias Eucarísticas em Vista das Obras de Pascásio Radberto e Ratramino de Corbie**:
- A natureza da presença real de Cristo na Eucaristia foi debatida intensamente no século IX. Pascásio Radberto afirmou a presença real e substancial de Cristo no pão e no vinho. Ratramino de Corbie, por outro lado, apresentou uma visão mais simbólica, argumentando que a presença de Cristo na Eucaristia era espiritual e não substancial. Este debate antecipou as futuras controvérsias eucarísticas que culminariam na doutrina da transubstanciação definida no Concílio de Latrão IV (1215).
Essas controvérsias teológicas não só definiram os limites da ortodoxia, mas também estimularam um florescimento intelectual que preparou o terreno para o desenvolvimento da escolástica na Idade Média. A Reforma Carolíngia foi crucial para a revitalização da teologia ocidental, promovendo um ambiente de estudo e debate que fortaleceria a Igreja e sua doutrina nos séculos seguintes.